sexta-feira, 29 de dezembro de 2006


Prefiro sempre a escrita. Por isso escuso de justificar esta carta. Prefiro o pensar nas palavras, o desenhá-las, o poder lê-las só para confirmar cada vírgula e cada ponto que significam cada pausa e cada conclusão. Prefiro- a às palavras sonoras, muitas vezes ditas fruto do medo de deixar segundos por falar, da obcessão de arrombar com sons os espaços do silêncio.
Sou de facto, caprichosa, e permito-me ao luxo de o ser, sem falsos pretensiosismos de querer mudar para me tornar uma pessoa, aparentemente, melhor. Mas encontro no meu capricho, acredita, alguma razoabilidade.
Sempre exigiste muito de mim. E essa exigência fez de mim uma pessoa melhor. Mais exigente consigo própria, mais perfeccionista e implacável, se quiseres. Mais segura, também.
Porque esta segurança esconde (de facto!) uma exigência constante em corresponder às minhas próprias expectativas, em cumprir rigorosamente os meus objectivos, em alcançar as minhas metas. É a recompensa por um esforço sobrehumano em me tornar, a cada segundo, um ser humano um pouco mais completo.
Isto para te dizer que me sinto, agora, na legitimidade de te procurar para exigir de ti.
Tu estás, de facto, diferente. Não é o puto de Viseu, amuado e desconfiado, que eu sinto distante. Esse rapaz, inseguro e revoltado, continua em ti, na tua incapacidade de dizer não, no teu desejo absurdo de agradar a gregos e a troianos, ou, na incapacidade de o conseguires, na tua reserva relativa a algumas pessoas. Permanece no medo de te desvendares, de misturares as pessoas que conhecem bocados diferentes de ti, de evitares que troquem impressões, de recusares que te conheçam mais e melhor. Esse rapaz, vejo-o no teu olhar, na forma como evitas o contacto puramente visual, como pensas com os olhos, como contemplas o infinito e o engoles nesse tom castanho-ébano.
Sinto, sim, distante o adolescente cabeludo da Vagueira. Introspectivo e calado, que pesava milimetricamente e media rigorosamente o peso de cada palavra, a sua intenção, os efeitos que causaria no outro, a sua interpretação. Aparentemente, vejo-o agora, no teu silêncio pensativo encontrava alguma sensibilidade, alguma preocupação pelo outro. Alguma capacidade de sonhar e de achar alguma dificuldade no alcance desse sonho, porque só assim seria sonho. Alguma firmeza contra a escravidão do tempo e a favor do valor não material das coisas realmente importantes. Alguma paixão pelas pessoas, pela comunicação, pelas relações, pelas palavras... E aquela resistência misteriosa à entrega e à rendição...
Não quero com isto dizer que tens que achar um meio termo entre o rapaz de Viseu e o rapaz da Vagueira. São ambos o mesmo. Mas tenta preservar o melhor dos dois: fala com os olhos e preserva-te como o rapaz de Viseu mas pensa no efeito que tu tens nos outros e sente paixão (mesmo que não te entregues!) como o rapaz da Vagueira.
Não tens é que, necessariamente, decidir que aos trinta é uma boa altura para dar o grito de Ipiranga. A decisão de mudança bloqueia a própria mudança, sabias? Não decidas mudar, porque a mudança acontece espontaneamente nas situações e nas relações. Não precisa de ser uma decisão consciente.
Não vou falar dos outros nem entrar em termos de comparação. A nossa amizade tem valor por aquilo que é, pela sua história, pelos seus momentos. Custa-me que tu permitas que falem dela, porque ela devia permanecer intocável, observada e julgada pelos outros, mas capaz de mudar apenas sob a nossa acção. Preserva-a, também, se a consideras importante. E diz-me não, sempre consciente nos efeitos que o modo como mo dirás pode mudar tudo.
Dispõe!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006


Noite
SALVATORE QUASIMODO

Todos estão sós no coração da terra,
atravessados por um raio de sol:
e de repente é noite.

Safo

sábado, 9 de dezembro de 2006


Quando regressei fumava um cigarro com a porta do carro semi-aberta. Apagou-o de imediato e começou a beijar-me. Pediu-me para tirar o meu fio que o estorvava. Beijámo-nos mais. Deitou-se no meu colo com as pernas de fora da porta. Beijou-me a barriga descoberta e acariciou-me os seios por debaixo do top. Destapou-os e beijou-os com sofreguidão. Exclamou que o meu corpo era perfeito e que me achava linda. Acariciei-o e pude sentir o seu desejo. Fiquei de tronco nu naquele banco de carro, até que decidimos parar. Pensamos na certeza do que queriamos, se estavamos conscientes... decidimos ir até a um qualquer sítio onde pudessemos ter sexo. Naquele momento era só desejo. Fogo. Paixão.
Voltamos atrás. Uma placa indicativa de um motel. Perdeu Saimos os dois. Pareciamos, de facto, um casal. Um casal de amantes. Entramos. Pousei a tralha e quis ir a casa de banho. Vesti as meias de liga pretas e o body interior rendado preto. Pus perfume.
Estava deitado e vestido. Ficou perturbado com a minha imagem. Deitei-me em cima de si a beijá-lo. Enrolámo-nos. Despi-lhe a camisa. Despiu as calças e ficou só de boxers pretas justas Acariciou-me a vagina e deu-me prazer. Mas eu queria-o inteiro.
Fizemos sexo na cama, no tapete do meu lado, no tapete à frente da cama , beijei-lhe o pénis e ele soltou gemidos de prazer. Beijei-lhe cada dedo da mão e trinquei-lhe os mamilos e ele gemia de prazer e excitação. Disse que a minha lingerie era sua inimiga e ficou completamente obcecado pelos meus seios. Só dizia que eles eram perfeitos e maravilhosos. Não conseguia tirar os olhos deles. Arrumamos o quarto e saimos. Deu-me a mão.

Beijámo-nos de despedida. Paramos novamente ao pé da primeira rotunda. Mais despedida e palavras vãs. Ultima paragem para sair ao pé de casa. Um beijo rápido, uma tropeçadela à saída e ainda o vi a dar mais uma volta à rotunda. Não digo adeus.!..

quinta-feira, 30 de novembro de 2006


Sísifo
(Coimbra, 27 de Dezembro de 1977)
Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

domingo, 26 de novembro de 2006


Não dormi bem a noite toda. Virei-me infinitamente, de um lado para o outro, imaginando o encontro dos olhares há dois anos afastados. Uma dor de barriga moidora e caprichosa como eu já não me lembrava há muito tempo atrás, na altura da paixão e dos encontros furtuitos, da insconsciência e dos beijos recém-descobertos. Na altura de uma tarde intemporal numa praia do Sul ou das traseiras de uma pensão barata qualquer, com cheiro a erva e a geada de Outono.
Quando o vi no carro vermelho, porta semi-aberta, de óculos a taparem os olhos pelos quais me apaixonara há sete anos atrás, estremeci com os nervos à flor da pele.

Perguntou-me para onde íamos. Respondi-lhe que íamos andar sem destino e deixei-o conduzir o carro vermelho tal como lhe permiti ali, naquele dia e naquele instante, conduzir a minha vida. Rumamos em direcção ao Guincho mas enganei-me no caminho ao pé da Boca do Inferno e tivemos que dar a volta a Cascais. Parámos na Casa da Guia. Quando saiu do carro reparei que estavas com um pouco de barriga, mas a T-shirt preta justa e as calças de ganga evidenciavam a figura forte e máscula que tanto me seduzia.

Confessou-me a sua ansiedade nessa manhã, em que acordou só para me ver, ao escolher a roupa para vir ao meu encontro. Lisonjeou-me a preocupação estúpida com a roupa, só para me agradar. Sabe que o acho bonito. Sempre.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006


A insatisfação nasce da crença cega na utopia”
Nietchze

“Ela (a utopia) está no horizonte,
Aproximo-me dois passos e ela
Afasta-se dois passos
Avanço dez passos e o horizonte
Distancia-se de mim dez passos;
Posso ir tão longe quanto quiser:
Nunca lá chegarei.
Para que serve então a utopia?
Para isso: para avançarmos.”

Se sonho com numa relação utópica, porque não avançamos nós?

quarta-feira, 1 de novembro de 2006


De qualquer modo, é importante para mim, reforçar que a nossa amizade tem valor por aquilo que é. Pela história que habita intacta e condensada na minha memória. Pelos seus momentos que pairam isolados, leves e selectos na tua. Ela deve permanecer intocável, observada e julgada pelos outros, mas capaz de mudar apenas sob a nossa acção. Preserva-a, também, se a consideras importante. E diz-me não, sempre consciente nos efeitos que o modo como mo dirás pode mudar tudo.
Mas não te confrontes comigo nem me pressiones. Porque isto que existe persistirá, na mesma, mesmo que só durasse há um segundo, o tempo de cair a última folha de um malmequer numa manhã fresca de fim de Verão.
Tenderá a persistir. Tudo. Sempre. Mesmo que um dia se apaguem os raios de sol, quando o confronto, finalmente, for tão intenso que ficará tudo tão sereno, tão plácido, tão silêncio e só restemos nós e o mar a bater nas rochas ao pé de uma cabana-bar...

segunda-feira, 16 de outubro de 2006



Carpe Diem!
Não procures, Leuconoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê ainda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno.
Vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esperança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.
Horácio
(Tradução de David Mourão-Ferreira)

domingo, 8 de outubro de 2006



São 5:18 da manhã no relógio do meu PC, e não consigo dormir...
Tu sabes. Eu também sei.Nós sabemos. Acontece que, agora, nem mais cedo nem mais tarde, estamos a conjugar o verbo de outra forma.
Sei que é um dos defeitos que descobriste em mim, recentemente, mas fazer perguntas, independentemente das respostas, é sempre uma forma de análise e de explicação. Defeito profissional? Contudo, uma série de perguntas levitam, fantasmagóricas, na minha cabeça e precisava de te ter aqui, para me beijares a testa e acariciares o cabelo até eu adormecer...

Em primeiro lugar, faço questões a mim própria:
Porque é que eu, que tantas e tantas vezes, impedi ou condicionei que momentos como estes tivessem lugar e forma, sucumbi numa noite cansada de sexta-feira, familiarmente vestida com um casaco de malha quente, gasto e confortável? Porque o cansaço de fim-de-semana, que me limpara os vestígios de maquilhagem, que desalinhara o cabelo, que, enfim, roubara todo o glamour e beleza que eu supostamente deveria ter, deixou arrombar os portões pesados da censura, da contenção, do bom senso, do recalcamento, da razão? Porque os relógios não pararam de dar aos ponteiros (formigas irritantes!) e aquele instante não se tornou intemporal e perdido na imensidão do tempo que não é térreo e pesa em nós? Porquê o rubor do casaco?
Porque é que um flirt casual, espontâneo de uma noite fresca de Outono, tendeu a repetir-se? Ou melhor, porque é que a vontade e o desejo de que se repetisse permaneceram em mim e nós não conseguimos recuar? Porque é que o teu cheiro habita em mim? Porque é que os teus beijos me ardem, ainda, nos lábios? Porque é que o teu toque me tortura, ainda, a pele? Porque é que penso em ti?
Porque é que eu, contrariamente ao comumente esperado, não me sinto culpada? Com remorsos? Porque é que não me apetecem as exigências e os compromissos, se sempre valorizei o concreto como forma de me sentir mais segura? Porque é que tenho, hoje, uma insónia?